Não se aprende a tornear apenas com o racional, é o corpo
que aprende, é a inteligência motora que atua e ela tem seu tempo. Um tempo de
desafio, um tempo que nos leva a duvidar de tudo, de nós mesmos, que pode nos levar por atalhos falhos, truques desonestos, um tempo que provoca nosso
melhor ou nosso pior. Sempre a nos perguntar, “Do que você é feito?"
A persistência teima em nos abandonar, pois conquistas
sempre podem ser adiadas, deixadas de lado. Mas, como no esporte em que o corpo
precisa de treino, é a mente a mais desafiada.
Você é força? Ou você é habilidade? Você é rigor? Fluxo?
Você
observa? Você persiste? Você vai desistir?"
O que você está evitando? O que
você quer?
Sim, parece que tudo é sobre nós e nossos desejos. E para cada resposta, o torno nos trará uma surpresa. Uma risada ou uma angustia? Um presente ou um castigo? Você decide.
No entanto, o importante é se manter ao torno, a energia que
geramos nestes momentos é mais importante do que qualquer outra coisa na
manutenção do que somos e o que desejamos na vida e na cerâmica. Não há tempo
para nos perdermos em desculpas ou justificativas. Precisamos praticar.
Precisamos fazer. E rir, rir muito de nossos desalentos!
O torno enfeitiça ao oferecer a perfeição para aqueles que estão determinados a domar os efeitos da força centrípeta.
Sobre o que será
isso?
Como um ator que sobe ao palco a cada noite e nos faz crer ser sua primeira apresentação, o ceramista conquista a habilidade de repetir várias vezes
a mesma forma, sendo cada uma delas única.
É a centralização que nos levará a obter peças com paredes
uniformes, a harmonia entre o que se percebe no interior da peça e o seu perfil
externo, equilíbrio.
Estou falando mesmo de peças?
O interior, ou como gosto de chamar, a alma da peça; é
tocada apenas durante sua feitura. Não recebe cortes ou desgastes depois de
pronta, é conquistada pelas mãos e ferramentas enquanto a peça nasce.
Sim, peças nascem... E temos a oportunidade de renascer em cada uma delas, a cada desafio uma alteração subjetiva se dá.
O torno quer mesmo nossa quilha, que estejamos em uníssono com ele, numa espécie de mágica material da presença.
A leveza e frescor do que se torneia é alcançado ainda
quando a argila escorrega por entre nossas mãos; é ali, no modelar, que
definimos o único do que torneamos. Depois vem o acabamento.
Ái o acabamento! Pode parecer banal, mas não. O pé da peça, quando falamos de utilitários por exemplo, confere personalidade. É um detalhe que mais parece código, uma linguagem entre pares que dialogam. Acabamento é encontro entre o que foi feito, o que precisa ser visto e o sentido. Acabamento é uma palavra muito simples para o ato de esculpir, esculpir a massa, a peça, o movimento, o tempo, os nossos desejos.
O aprendizado do torno é uma peça teatral de infinitos atos.
E como um ator que se prepara para que um
personagem ganhe vida, mas em cena aqui e ali descobre algo novo sobre o mesmo. O ceramista a cada giro ganha repertório, a cada desafio apura sua
expressividade e tem a chance de fazer nascer o artista ceramista. E ai... E ai o torno
passa ser apenas meio, ferramenta, que continua nos encantando em sua dança dervixe.
E neste momento, ele é suporte que não se atem apenas aos
quesitos técnicos. Novamente lembra o
teatro, onde existe uma peça, um mesmo texto, mas isso não impede que cada ator
coloque de si o que só seu universo pessoal faz possível, que coloque algo que o autor se quer vislumbrou, que improvise, que crie.
O aprendizado do torno é um tormento entre desequilíbrios
emocionais e embates do racional, entre um querer já e uma negociação com o
adiamento, um aconselhamento permanente entre o “eu” que faz e o “eu” que fracassa
miseravelmente, pois o “eu” é tudo que menos interessa... É preciso transpor momentos,
aprender a observar, constituir camadas de entendimento, integrar novos gestos,
novas perspectivas, novos eus. E só depois das fases iniciais ultrapassadas, alcançamos
o centro dele e desses tantos eus em nós e algo do subjetivo se altera.
Bem lembro, faz tempo, mas continua assim...
Enquanto o ascender da massa em espiral constrói formas e
materializa um novo sonho, damos mais um passo, irrompendo regras em voo de
liberdade, liberdade de criação, apenas mais um ato que se multiplica...
Gratidão professoras Estela e Hideko, por me emprestarem suas mãos para
a construção de minhas bases no começo de tudo, bases que vêm se ampliando
lentamente. Obrigada por confiarem e acreditarem em mim quando nem mesmo eu achava
que seria possível. Obrigada por cada vez que vocês, das mais diversas formas
disseram: siga, coragem, você está indo bem! Continuo nesse movimento, sigo em
todos esses giros, sou apenas uma aprendiz que aprendeu que é possível prosseguir.
E só isso, já é bastante. Espero inspirar outros tanto quanto vocês me inspiraram!
Por Acácia Azevedo.
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