Sunday, June 18, 2017

O torno, uma espiral infinita de possibilidades.

Lili, Tati, Estela, Mari, Flávia e Patrícia.
Turma de torno, quintas das 9 às 12h, em Vinhedo.
Informações: acacia10@gmail.com


Exigente, quando se quer atingir qualidade, o torno também pode ser cruel com os que se aventuram em seu giro. Eu senti isso. 
No início nos faz de João-Bobo, jogando-nos de um lado para outro. É quase inevitável. Ele nos sacode e pergunta, "Aonde você quer ir?" E insiste..."Tem certeza?" Nos faz vacilar...

Não se aprende a tornear apenas com o racional, é o corpo que aprende, é a inteligência motora que atua e ela tem seu tempo. Um tempo de desafio, um tempo que nos leva a duvidar de tudo, de nós mesmos, que pode nos levar por atalhos falhos, truques desonestos, um tempo que provoca nosso melhor ou nosso pior. Sempre a nos perguntar, “Do que você é feito?"

A persistência teima em nos abandonar, pois conquistas sempre podem ser adiadas, deixadas de lado. Mas, como no esporte em que o corpo precisa de treino, é a mente a mais desafiada.

Você é força? Ou você é habilidade? Você é rigor? Fluxo? 

Você observa? Você persiste? Você vai desistir?"

O que você está evitando? O que você quer? Quem é você? 

Sim, parece que tudo é sobre nós e nossos desejos. E para cada resposta, o torno nos trará uma surpresa. Uma risada ou uma angustia? Um presente ou um castigo? Você decide.

No entanto, o importante é se manter ao torno, a energia que geramos nestes momentos é mais importante do que qualquer outra coisa na manutenção do que somos e o que desejamos na vida e na cerâmica. Não há tempo para nos perdermos em desculpas ou justificativas. Precisamos praticar. Precisamos fazer. E rir, rir muito de nossos desalentos!

O torno enfeitiça ao oferecer a perfeição para aqueles que estão determinados a domar os efeitos da força centrípeta. 

Sobre o que será isso?

Como um ator que sobe ao palco a cada noite e nos faz crer ser sua primeira apresentação, o ceramista conquista a habilidade de repetir várias vezes a mesma forma, sendo cada uma delas única.

É a centralização que nos levará a obter peças com paredes uniformes, a harmonia entre o que se percebe no interior da peça e o seu perfil externo, equilíbrio.

Estou falando mesmo de peças?

O interior, ou como gosto de chamar, a alma da peça; é tocada apenas durante sua feitura. Não recebe cortes ou desgastes depois de pronta, é conquistada pelas mãos e ferramentas enquanto a peça nasce.

Sim, peças nascem... E temos a oportunidade de renascer em cada uma delas, a cada desafio uma alteração subjetiva se dá.

O torno quer mesmo nossa quilha, que estejamos em uníssono com ele, numa espécie de mágica material da presença. Aí as pequenas conquistas, quase imperceptíveis, começam a se acumular e formar sentido.

A leveza e frescor do que se torneia é alcançado ainda quando a argila escorrega por entre nossas mãos; é ali, no modelar, que definimos o único do que torneamos. Depois vem o acabamento.

Ái o acabamento! Pode parecer banal, mas não. O pé da peça, quando falamos de utilitários por exemplo, confere personalidade. É um detalhe que mais parece código, uma linguagem entre pares que dialogam. Acabamento é encontro entre o que foi feito, o que precisa ser visto e o sentido. Acabamento é uma palavra muito simples para o ato de esculpir, esculpir a massa, a peça, o movimento, o tempo, os nossos desejos.

O aprendizado do torno é uma peça teatral de infinitos atos.  E como um ator que se prepara para que um personagem ganhe vida, mas em cena aqui e ali descobre algo novo sobre o mesmo. O ceramista a cada giro ganha repertório, a cada desafio apura sua expressividade e tem a chance de fazer nascer o artista ceramista. E ai... E ai o torno passa ser apenas meio, ferramenta, que continua nos encantando em sua dança dervixe.

E neste momento, ele é suporte que não se atem apenas aos quesitos técnicos.  Novamente lembra o teatro, onde existe uma peça, um mesmo texto, mas isso não impede que cada ator coloque de si o que só seu universo pessoal faz possível, que coloque algo que o autor se quer vislumbrou, que improvise, que crie.

O aprendizado do torno é um tormento entre desequilíbrios emocionais e embates do racional, entre um querer já e uma negociação com o adiamento, um aconselhamento permanente entre o “eu” que faz e o “eu” que fracassa miseravelmente, pois o “eu” é tudo que menos interessa... É preciso transpor momentos, aprender a observar, constituir camadas de entendimento, integrar novos gestos, novas perspectivas, novos eus. E só depois das fases iniciais ultrapassadas, alcançamos o centro dele e desses tantos eus em nós e algo do subjetivo se altera.

Bem lembro, faz tempo, mas continua assim...

Enquanto o ascender da massa em espiral constrói formas e materializa um novo sonho, damos mais um passo, irrompendo regras em voo de liberdade, liberdade de criação, apenas mais um ato que se multiplica...

Gratidão professoras Estela e Hideko, por me emprestarem suas mãos para a construção de minhas bases no começo de tudo, bases que vêm se ampliando lentamente. Obrigada por confiarem e acreditarem em mim quando nem mesmo eu achava que seria possível. Obrigada por cada vez que vocês, das mais diversas formas disseram: siga, coragem, você está indo bem! Continuo nesse movimento, sigo em todos esses giros, sou apenas uma aprendiz que aprendeu que é possível prosseguir. E só isso, já é bastante. Espero inspirar outros tanto quanto vocês me inspiraram!

 

Por Acácia Azevedo.


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