Wednesday, January 27, 2021

A cerâmica, o tempo e o outro

 


Na regularidade de um tempo métrico e contado, passam os dias. Entretanto, esperamos e acalentamos a ideia de um tempo de imaginação e relaxamento, fora das atividades de subsistência. Aguardamos e construímos o tempo de encontro e inscrição de quem somos.

A cerâmica, desde sua feitura, ressoa esse tempo. O tempo-ceramista tem essa qualidade, é estendido ou contraído pelos fluxos da criação. Transporta e transborda, se inscreve no material e deixa seu rastro de passado, enquanto se lança para o futuro no presente, devir.

Devir que não se imagina, futuro criado pelas linhas da performance e desejo do outro. A cerâmica autoral se reinventa pelas mãos, ações e pensamentos de quem a acolhe em seu espaço.

A cerâmica autoral - xícara de café, vaso ou escultura - por sua expressão em poética, tátil e vibrátil, é acolhimento e provocação. Não se arranjam nos armários ou superfícies como aquelas advindas de processos industriais. É convite ao movimento, construída pelo movimento, dança com univocidade no espaço deste outro que a acolheu.

E sobretudo, nos fazem recordar que nossa singularidade também se estabelece em conexões.  

A cerâmica envolvida nas tramas do cotidiano, não se rende. Convoca o outro em seus micros detalhes de caneca de chá em mão que se demora. 

A cerâmica pede o toque, que desliza pela forma e pensa. Provoca o outro a escolher, este ou aquele prato? Por que nada é igual. E pede, tempo. O tempo de meditação ou brinde, de outra qualidade que só você poderá adjetivar, pois, em gota ou rio, é o seu tempo.

A cerâmica lembra pelos caminhos que a mais simples flor, que o vaso unitário aguarda, poderá vir por suas mãos. É tempo alterado e estabelece a cumplicidade entre. Entre vaso, flor, você e o mundo, se desdobrando em fôlego que revigora. Micros cuidados, micros afetos que nos lembram...

Não somos sós, somos sempre constituídos com o outro. E a cerâmica- ceramista deseja esta interação em extensão, que rompe cronologias, espaços e se conecta em multiplicidades e convida: Vem?

 por Acácia Azevedo


 

Thursday, January 21, 2021

Inspiração: Engobes!

O conhecimento sobre o engobe é amplo e pode partir de diversas perspectivas e culturas. E camadas de conhecimentos e aplicações são acrescidas com o tempo, prática e história da cerâmica. 

Historicamente os engobes são antecessores dos vidrados. Muito utilizados pelos egípcios, gregos, romanos, tendo se expandido no século XVIII pela Inglaterra e restante da Europa. Também existindo forte registro nas cerâmicas pré-colombianas e na cultura indígena brasileira.

De uma maneira introdutória, podemos pensar que o engobe é um composto de argila líquida que recobre e adere o corpo cerâmico após a queima, geralmente aplicado em ponto de couro, e muito utilizado como recurso na decoração de peças. 

     
WAURA – Engobe vermelho, misturado com urucum antes da queima, e a após a queima soma-se urucum com óleo de pequi em desenhos em marrom vegetal.
Fonte: https://br.pinterest.com/pin/573646071260553219/ 
Acesso em 24.04.2021


Nas culturas indígenas brasileiras, os engobes são feitos com argilas naturais de colorações variadas provenientes de seu território ou com a adição de óxidos metálicos advindos de minérios locais. Sendo mais habitual a composição com corantes vegetais, tais como, o jenipapo ou pau santo que oferecem o preto, o vermelho carmim do urucum que se faz misturando óleo de babaçu, entre outros. E são as resinas, como a de pau de angico ou da árvore de acácia, que fornecem os envernizadores, conferindo acabamento de brilho as peças.

ASURINE - Vermelho e preto em fundo amarelo, coberto por resina de jatobá. Recomendo a leitura do link que se segue.
Fonte: http://unespciencia.com.br/2018/02/01/ceramica-93/
Acesso em 24.04.2021

Os engobes, nessa culturas, são aplicados através da criação de padrões e símbolos que remetem ao cotidiano, ao mágico e as histórias desses povos e sua ancestralidade, diversas nações indígenas utilizam o engobe como forma de recobrir suas criações com suas identidades. Geralmente são submetidos as queimas tradicionais de baixa temperatura, como a queima de buraco, por exemplo.

No entanto, na atualidade, não há limites com os recursos técnicos que dispomos e os engobes continuam seu processo na história sofrento alterações e não limitam-se apenas aos enbobes provenientes de argilas naturais, coloridas pelas transformações da natureza, como os utilizados por nossos povos indígenas. E podem inclusive, ser aplicados em peças biscoitadas em função de sua formulação.

O homem aprende com os processos da natureza e o engobe se atualiza.

“Os engobes são uma mistura de argila líquida, óxidos e outros componentes, que podem ser aplicados em uma peça antes da esmaltação. Atualmente, existe uma grande variedade de engobes, naturais e industrializados, para os mais diversos tipos de produtos.” (54º Congresso Brasileiro de Cerâmica, 2010, Foz do Iguaçu, PR, Brasil. Caracterização Tecnológica de solos residuais para uso de engobes em cerâmica artística. Z. M.P.Chrispim, M.G.Alves, I.S. Ramos, F. F. Almeida, A.L. Silva.)

Podemos dizer que o engobe é um acabamento, uma cobertura sobreposta que pode ser aplicada no ponto de couro e também no biscoito. Essa versatilidade se dá em função da inclusão de outras matérias primas, fundentes, porém não em quantidade suficiente para transforma-lo em um esmalte, esses fundentes visando uma melhor aderência do engobe aos diversos corpos cerâmicos. 


A industria, por sua vez, também contribui com seus conhecimentos, vendo o engobe como um aliádo para questões técnicas, como [...] "uma camada intermediária aplicada entre o biscoito (suporte) e o vidrado cerâmico (esmalte). Sua principal função é opacificadora, ocultando a coloração do substrato cerâmico, preparando esta superfície para a aplicação do vidrado e decoração. Contudo, outras funções são atribuídas ao engobe: composto intermediário para atenuar as diferenças físico-químicas entre o biscoito e o vidrado, contribuindo positivamente para o acordo massa-vidrado; camada impermeabilizante, evitando os efeitos da penetração de umidade através do biscoito poroso.” (Cerâmica Industrial, 20 (4) Julho/Agosto, 2015. Artigo:  Avaliação do Comportamento da Curva de Defloculação por Diferentes Tipos de Defloculantes em Engobes Guilherme Espindola Vanderlinda, Gian Garciaa , Aline Resmini Meloa).

Os engobes podem ser naturais, quando o artista se utiliza da palheta de cores fornecida pelas possíveis e diversas colorações de argilas na natureza. Ou, visando melhor fixação na peça após a queima, o engobe pode ser formulado podendo conter em sua composição argilas, fundentes, fritas, aditivos químicos, outras matérias primas, além de óxidos metáticos ou corantes  o engobe, por si só, não visa impermeabilizar a peça como um vidrado ou esmalte. Sua característica mais evidente é estética, ao possibilitar expressão, criação e identidade para o trabalho do ceramista. 

Dessa forma, a principal atribuição do engobe é alterar e diferenciar a superfície uma peça para outra. E, possivelmente, sua demanda técnica mais específica seja a aderência ao corpo cerâmico, seja ela por acrescimo de fundentes na composição do engobe ou pela simples compatibilidade entre argilas e o corpo cerâmico. Nessa análise também podemos considerar as diferenças referentes as temperaturas de queima.

Os engobes são uma camada aplicada sobre o corpo cerâmico para constituir uma modificação em sua superfície, seja ela decoratica ou técnica como vimos no caso da industria, o que também pode ser um recurso para o caso da cerâmica de ateliê. Sendo assim, talvez possamos dizer que os engobes comportam uma gama diversa de usos e não cabem em uma definição única e universal, contudo, permanece sendo instrumento para soluções e muita inspiração criativa.


Quer levar? Lembre de citar: 

AZEVEDO, Acácia. AA Ceramic Studio. Engobes: Inspiração! 2021. Acesso em: dia.mês.ano. copie e cole o link aqui.

Obrigada!

Acácia Azevedo