Na regularidade de um tempo métrico e contado, passam os dias. Entretanto, esperamos e acalentamos a ideia de um tempo de imaginação e relaxamento, fora das atividades de subsistência. Aguardamos e construímos o tempo de encontro e inscrição de quem somos.
A cerâmica, desde sua feitura, ressoa esse tempo. O tempo-ceramista tem essa qualidade, é estendido ou contraído pelos fluxos da criação. Transporta e transborda, se inscreve no material e deixa seu rastro de passado, enquanto se lança para o futuro no presente, devir.
Devir que não se imagina, futuro criado pelas linhas da performance e desejo do outro. A cerâmica autoral se reinventa pelas mãos, ações e pensamentos de quem a acolhe em seu espaço.
A cerâmica autoral - xícara de café, vaso ou escultura - por sua expressão em poética, tátil e vibrátil, é acolhimento e provocação. Não se arranjam nos armários ou superfícies como aquelas advindas de processos industriais. É convite ao movimento, construída pelo movimento, dança com univocidade no espaço deste outro que a acolheu.
E sobretudo, nos fazem recordar que nossa singularidade também se estabelece em conexões.
A cerâmica envolvida nas tramas do cotidiano, não se rende. Convoca o outro em seus micros detalhes de caneca de chá em mão que se demora.
A cerâmica pede o toque, que desliza pela forma e pensa. Provoca o outro a escolher, este ou aquele prato? Por que nada é igual. E pede, tempo. O tempo de meditação ou brinde, de outra qualidade que só você poderá adjetivar, pois, em gota ou rio, é o seu tempo.
A cerâmica lembra pelos caminhos que a mais simples flor, que o vaso unitário aguarda, poderá vir por suas mãos. É tempo alterado e estabelece a cumplicidade entre. Entre vaso, flor, você e o mundo, se desdobrando em fôlego que revigora. Micros cuidados, micros afetos que nos lembram...
Não somos sós, somos sempre constituídos com o outro. E a cerâmica- ceramista deseja esta interação em extensão, que rompe cronologias, espaços e se conecta em multiplicidades e convida: Vem?
por Acácia Azevedo