Writing - Escritos




Texto para a exposição "Cerâmica Nossa de Cada Dia" - Contaf- 2018.


O torno e seus desafios.

Exigente, quando se quer atingir qualidade, o torno também pode ser cruel com os que se aventuram em seu giro. No início nos faz de João-Bobo, jogando-nos de um lado para outro. É quase inevitável. Ele nos sacode, e pergunta, "Onde você quer ir?" E insiste..."Tem certeza?"

Mas o torno quer mesmo nossa quilha, deseja que nosso centro esteja em uníssono consigo para que as conquistas surjam.

Não se aprende a tornear apenas com o racional, é o corpo que aprende, é a inteligência motora que atua e ela tem seu tempo, e isso às vezes é difícil de aceitar. Um tempo de desafio, um tempo que nos leva a duvidar de tudo, que nos quer levar por atalhos falhos, truques desonestos, um tempo que provoca nosso melhor ou nosso pior. Sempre a nos perguntar, "Do que você é feito?"

Você é força? Ou você é habilidade? Você é rigor? Fluxo? Quem é você ?
E para cada resposta, o torno nos trará uma surpresa. Um presente ou um castigo? Você decide. Porém, não se engane, o importante é se manter ao torno, a energia que geramos neste momento é mais importante do que qualquer outra coisa na manutenção do que somos e o que desejamos na cerâmica. Não há tempo para nos perdermos em desculpas ou justificativas. Precisamos praticar. Precisamos fazer.

O torno oferece o direito á perfeição, a multiplicação,  para aqueles que estão determinados a domar os efeitos da força centrípeta. Como um ator que sobe ao palco a cada noite, como se fosse seu primeiro espetáculo, o ceramista conquista a habilidade de repetir várias vezes a mesma forma, contudo, sendo único em cada movimento.

É a centralização que nos levará a obter peças com paredes uniformes, honestas em sua harmonia entre o que se vê no interior da peça e o perfil externo. O acabamento, o esculpir da base, principalmente quando pensamos em utilitários, é outro ponto que complementa a leveza da peça. O pé da peça confere personalidade. Mas também, a peça pode "sentar-se" plena. O interior, ou como gosto de chamar, a alma da peça; é tocada apenas durante sua feitura. Não recebe cortes ou desgastes depois de pronta, é conquistada pelas mãos e ferramentas enquanto a peça nasce.

Sim, peças nascem!
A leveza e frescor do que se torneia é conquistado ainda quando a argila escorrega por entre nossas mãos; é ali, no modelar, que definimos o único, a criação do que torneamos. Quando se trata de utilitários pelo menos, costumo dizer que acabamento é retoque, e não maquiagem completa.

Como um ator que se prepara para um personagem, ou um músico que se aprofunda na interpretação de um conserto, o ceramista, a cada giro ganha em repertório, a cada desafio apura sua expressividade e faz nascer o artista ceramista.


Repetir, repetir, para depois soltar-se como quem dança, feliz e livre. Quando o torno passa ser apenas meio, ferramenta, que continua nos elevando com seu giro, quase como dervixes.

E neste momento, ele é ferramenta, meio,  que não se atem apenas aos quesitos técnicos. Novamente lembra o teatro, onde existe uma peça, um texto que precisa ser respeitado, mas este contexto não impede que o ator improvise quando é chegada a hora.
O tornear se transmuta em gesto, puro movimento, a técnica se modifica e transforma, se enriquece, para atender as necessidades da criação. 


E ai diante das conquistas vem os desafios, chega aquele momento que é necessário "sair do redondo", e as possibilidades são infinitas! Quando o giro vai além dele mesmo.

Por Acácia Azevedo, em 2017, para minhas alunas. (revisado 2019)



"... o torno é uma ajuda imensurável na aceleração da produção, mas se você não aprende a controlar a força centrípeta e tirar vantagem de seu impulso, o trono se tornar a maior frustração que você pode imaginar. Para todos que estão lutando com isto, o torno pode ser claramente uma invenção do diabo.
Mas depois que você aprende a tornear, você tem asas."

Marguerite Wildenhain, “Pottery: Form and Expression”


Tigelas - Já parou para pensar sobre elas?
2016

De acordo com a mitologia grega, a primeira tigela foi moldada no seio de Afrodite. 
Esta forma que pode ser rapidamente sugerida por mãos que unidas se tornam aptas a conter, encontram especificidades atribuídas aos seus países de origem e culturas. “Malga” em Portugal, “Chawan” no Japão, “Bowl” nos países de língua inglesa, são algumas das denominações irmãs de nossa tigela brasileira.
A expressão pessoal do ceramista, o desenho do perfil, a boca, detalhes do seu interior, revelam e atribuem significados a esta peça e diz muito a respeito de quem as fez.

“Uma tigela* é basicamente um conceito simples. Enquanto forma, é discreta, serena, tranquila e contida. Na tigela, a individualidade do ceramista fala em sussurros. Mas sussurros podem ser mais expressivos do que um grito.” 
Bernard Leach
(*bowl, no original)


 De acordo com a mitologia grega, a primeira tigela foi moldada no seio de Afrodite. 
Esta forma que pode ser rapidamente sugerida por mãos que unidas se tornam aptas a conter,  encontram especificidades atribuídas de acordo com seus países de origem e culturas.  “Malga” em Portugal, “Chawan” no Japão, “Bowl” nos países de língua inglesa, são algumas das denominações irmãs de nossa tigela brasileira.
De acordo com o desenho do perfil, a boca, detalhes do seu interior, a maneira que o pé é esculpido ou quando ele é simplesmente inexiste, revelam e atribuem significados a esta peça e diz muito a respeito de quem as fez.
Com o objetivo de apresentar a grande diversidade de formas, interpretações e influências que as tigelas brasileiras recebem com o passar dos tempos, gostaríamos de propor a você ceramista a oportunidade de mostrar sua visão sobre essa forma tão familiar, cotidiana, e ao mesmo tempo tradicional e artística, que está sempre presente na história cerâmica brasileira e do mundo.
“Uma tigela* é basicamente um conceito simples. Enquanto forma, é discreta, serena, tranquila e contida. Na tigela, a individualidade do ceramista fala em sussurros. Mas sussurros podem ser mais expressivos do que um grito.”
Bernard Leach
(*bowl, no original.)


Uma peça de cerâmica pode revelar muito sobre as tradições, costumes e desenvolvimento tecnológico de uma civilização. As tigelas, por exemplo, são formas tradicionais no cotidiano e na arte cerâmica de vários países. Deparamos-nos com elas nos mais famosos museus do mundo.
Ao observar uma tigela podemos perceber várias técnicas. A tigela pode ser torneada, modelada a mão em uma infinidade de técnicas como placas, cordelado, pinch pot, moldagem em gesso, etc. A decoração, o tipo de queima empregada, o revestimento aplicado ajudam a determinar o estilo e a expressão do ceramista. Aqui vamos nos deter em alguns aspectos de sua forma.

Tradicionalmente, o perfil de uma tigela, ou seja, seu corte perpendicular nos ajuda na análise da forma. Normalmente as tigelas nascem do segmento de um círculo, podemos também encontrar parábolas, formas ovaladas que se fecham, curvas em “S”, são opções. Existe a possibilidade da combinação de outros elementos para a composição deste perfil, não há regras evidentes, mas sua harmonia pode traduzir formas contidas, tensas, controladas, ou ao contrário; um perfil gentil, livre e relaxado.

A tigela influenciada pela linguagem visual da arte indígena brasileira, por exemplo, normalmente tem boca larga e é pouco funda, também é conhecida pelo nome de cumbuca. Possuem variantes quanto a sua forma, podendo ser fitomorfas (em forma vegetal, lembrando geralmente cuias), zoomorfas  (com apêndices figurando repteis, peixes, mamíferos e outros animais na borda da peça) ou ainda em forma geminada (duas cumbucas com aderência num dos lados).

Quando analisamos uma tigela, percebemos a riqueza de variáveis. A boca da peça, por exemplo, pode à primeira vista, ou ao primeiro toque, revelar o sentimento da cerâmica e do ceramista. Pode ser grossa e áspera, muito fina e delicada, arredondada ou quadrada, pode ser ligeiramente voltada para dentro ou para fora. Qualquer curva ou detalhe em sua borda pode tornar a tigela mais confortável e fácil de manuseá-la.

Outro elemento que pode ser analisado seja em uma tigela, bowl ou chawan, é o pé. As tigelas de influência indígena não possuem pé, sua beleza reside na harmonia de uma base arredondada ou plana, o que confere despojamento e leveza à peça. Um pé alto pode atribuir importância e um ar distinto á peça. O pé também pode ser um fator de conforto no manuseio da peça, quando, por exemplo, ela contém uma substancia quente, torna possível manuseá-la com o dedo polegar em sua borda e os outros sob o pé. Seja como for, a base deve ser sempre estável. Se a base for muito estreita pode comprometer o equilíbrio, se muito larga a peça pode perder em graça, leveza. 

O pé, ou seja, o aro onde a peça se equilibra, deve seguir uma linha harmônica com o perfil da tigela, acrescentando beleza e levando em consideração também a proporção com a curva que surge em sua parte interna.

A parte interna da tigela é a alma da peça. Além de receber o alimento, revela a habilidade do ceramista de prever como ele irá se comportar em seu interior. A parte interna acompanha o perfil externo, mas não é uma regra quando estilo é ousado e mais arrojado.

As tigelas como toda cerâmica utilitária, devem seguir certa ergometria, contudo, as “licenças poéticas” existem. A expressão artística pode não seguir regras. O que importa é que quando ao toque das mãos, o sentimento chega ao coração, a cerâmica cumpre sua função.

por Acácia Azevedo para a exposição, Tigelas Brasileiras, organização CCBRas.


Entre Mãos
2013





Espiral
2013

Março/2013




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